terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Escravidão foi crime contra humanidade, diz diplomata

Escravidão foi crime contra humanidade, diz diplomata

13/08/2001 Autor: FERNANDA DA ESCÓSSIA Origem do texto: Da Sucursal do Rio Editoria: BRASIL Página: A4 Edição: Nacional Aug 13, 2001 Seção: ENTREVISTA DA 2ª Legenda Foto: Gilberto Vergne Saboia, que preside o comitê brasileiro para a conferência da ONU sobre racismo Crédito Foto: Alan Marques - 9.abr.2001/Folha Imagem Observações: * COM SUB-RETRANCAS; ENTREVISTA Assuntos Principais: DIREITOS HUMANOS; RACISMO; CONFERÊNCIA DA ONU CONTRA O RACISMO, A DISCRIMINAÇÃO RACIAL, A XENOFOBIA E A INTOLERÂNCIA CORRELATA; DURBAN /ÁFRICA DO SUL/; GILBERTO VERGNE SABOIA; REPARAÇÃO; ESCRAVIDÃO; SIONISMO; POLÊMICA

Gilberto Saboia representa o Brasil em reunião sobre racismo

Escravidão foi crime contra humanidade, diz diplomata FERNANDA DA ESCÓSSIA DA SUCURSAL DO RIO A reparação pela escravidão e as políticas de Israel em relação aos palestinos devem ser os temas mais polêmicos a serem discutidos durante a Conferência da ONU contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, que será realizada em Durban, na África do Sul, entre os dias 31 de agosto e 7 de setembro. Essa é a avaliação do embaixador Gilberto Vergne Saboia, 59, secretário de Estado de Direitos Humanos e presidente do comitê brasileiro preparatório para a conferência. Na semana passada, Saboia esteve em Genebra, na Suíça, para o encontro preliminar da cúpula sobre racismo, encerrado na última sexta-feira, e presidiu o grupo encarregado de elaborar propostas de ação contra o racismo. Leia, a seguir, os principais trechos de sua entrevista, concedida, por telefone, de Genebra.

* Folha - Que balanço o sr. faz das negociações em Genebra? Gilberto Vergne Saboia - O resultado foi mais positivo que a expectativa. Nós iniciamos a reunião com a idéia de que havia impasses muito graves, que pareciam barreiras quase intransponíveis. A situação ainda é difícil em alguns aspectos.

Folha - Quais? Saboia - A primeira área de negociação difícil é a questão da reparação, sobre que tipo de referência a conferência deveria fazer aos fatos do passado, às causas e às origens históricas da discriminação racial e do racismo _a escravidão, o tráfico de escravos, o colonialismo. Há um debate sobre que tipo de reconhecimento deve ser feito em relação a esses fatos, até mesmo sobre como incluir uma referência de que esses fatos, se ocorressem hoje, seriam equivalentes a crimes contra a humanidade. Discute-se como a comunidade internacional ou os países afetados deveriam se comportar em relação a esses fatos, se deveriam expressar uma desculpa ou fazer um mea culpa. Estariam vinculadas a isso reivindicações específicas da África em relação à reparação.

Folha - Serão aprovadas reparações contra a escravidão? Saboia - Isso está sendo negociado. Têm havido consultas às partes interessadas, basicamente à União Européia e aos Estados Unidos. Existe uma manifestação ou uma disposição dos países ocidentais de contemplar uma linguagem que expresse desculpas ou lamente esses fatos sem envolver obrigação de reparação. Do lado dos africanos, além da questão da linguagem, existe uma lista de reivindicações, de questões mais voltadas para aspectos de desenvolvimento econômico e social. Eles querem o perdão das dívidas, falam de comércio, de assuntos que não necessariamente estão relacionados aos direitos humanos, tema da conferência.

Folha - Qual a posição do Brasil sobre as reparações? Saboia - Não chegamos a detalhes. Consideramos que deve haver um reconhecimento dos fatos do passado como fatores históricos e causas principais do racismo e que esse reconhecimento gera uma obrigação moral dos países em relação às populações afetadas. É preciso contribuir para que as consequências ainda existentes desses fatos do passado, as que persistem no presente, sejam corrigidas, sem que isso necessariamente envolva pagamentos e reparações pecuniárias. No nosso caso, pensamos em políticas públicas e em ações afirmativas.

Folha - Que grupos são apontados como vítimas do racismo? Saboia - Esse é outro debate, sobre como listar as vítimas e as bases de discriminação. Quais são as vítimas? Os africanos, os afro-descendentes, os povos indígenas, as minorias, os refugiados. Há uma discussão sobre essas listas. Um grupo de países quer limitar as vítimas àquelas listas já reconhecidas pelas convenções existentes, porque há as vítimas propriamente ditas e as vítimas das chamadas múltiplas causas, ou causas agravadas ou conexas, que incluiriam mulheres, pessoas com deficiência, homossexuais.

Folha - Será possível incluir esses grupos? Saboia - Vai ser muito difícil, porque as decisões são tomadas por consenso. Estamos procurando ajudar a fazer essa inclusão, mas países islâmicos e países muito ligados ao catolicismo mais conservador têm restrições à inclusão da orientação sexual. Quando houve a votação do credenciamento de uma organização de lésbicas, nós votamos a favor. O credenciamento foi recusado por um voto, mas outras organizações estão credenciadas.

Folha - Os países árabes querem que o sionismo (movimento político e religioso judaico iniciado no séc. 19 com o objetivo de criar um Estado judaico) seja igualado ao racismo. Como ficou esse ponto? Saboia - Essa é a questão mais difícil. Os Estados Unidos diziam que não admitiam nenhuma referência sobre isso, agora já estão dizendo que podem considerar essa possibilidade, desde que seja utilizada uma linguagem genérica, que se não mencione Israel explicitamente e que se baseie em textos aceitos anteriormente. Havia uma proposta de fazer uma equiparação entre sionismo e racismo, mas hoje há uma concordância de que isso não deve ser feito. Os árabes continuam insistindo, mas o debate está evoluindo para se redigir algo aceitável por todos. Isso está um pouco longe de ser conseguido, vai ficar para Durban.

Folha - Houve um rumor de que os EUA boicotariam a conferência de Durban por isso. Saboia - Talvez os EUA tenham acenado com essa possibilidade, mas eles estão se esforçando para ir a Durban. A conferência é importante para os EUA, eles são um país multirracial. Os EUA não estão sozinhos em certas questões. Nós também não aceitamos a equiparação do sionismo ao racismo ou a relativização do Holocausto. Os países árabes mais radicais introduziram, acho que para efeito de barganha, sugestões muito controvertidas sobre o Holocausto, dizendo que houve holocausto também dos palestinos. Com isso o Brasil também não concorda. Não temos participado diretamente desse debate, mas queremos que a conferência se concentre nos temas centrais. Preferiríamos que questões regionais não interferissem tanto. Se tiver de ser feita uma referência, que seja uma referência neutra, que diga respeito aos direitos humano http://ns.faac.unesp.br/pesquisa/tolerancia/seconri/escravidao_1308.htm

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