quarta-feira, 13 de novembro de 2013

ANA ARRAES E ZUMBI

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Discursos e Notas Taquigráficas

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Com redação final
Sessão: 283.2.53.OHora: 11:06Fase: BC
Orador: ANA ARRAESData: 19/11/2008


A SRA. ANA ARRAES 
(Bloco/PSB-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, hoje, data em que se comemora o Dia da Consciência Negra, ocupo esta tribuna para me juntar a todos aqueles que, de diferentes maneiras, com os meios dos quais dispõem, vêm lutando contra o preconceito racial e social no Brasil. Num país de mestiços, como é o nosso, é inadmissível qualquer atitude discriminatória. Entretanto, pagamos o preço das características particulares da formação da sociedade brasileira.
Os negros que para cá foram trazidos, na visão dos colonizadores, não passavam de mercadorias, necessárias ao enriquecimento dos brancos. No Nordeste, por exemplo, conheceram apenas o sabor amargo do açúcar extraído das grandes plantações de cana. A preservação da cultura dos afro-descendentes se deu apenas em função da imensa capacidade de resistência que demonstraram, não só para lutar contra a escravidão, como também para guardar a memória de seus antepassados. Memória essa que hoje enriquece a cultura nacional por meio da música, da dança, da culinária, das manifestações religiosas e da identidade étnica.
A dificuldade da luta dos negros em defesa de seus valores se torna mais clara na medida em que tomamos consciência de que ingressaram na sociedade brasileira como uma cultura dominada e esmagada. Os quilombos, onde se refugiavam, representavam o espaço conquistado para exercer não só a liberdade, como também para a preservação da cultura. Exatamente por isso os quilombos eram uma ameaça à ordem colonial.
A data da morte de Zumbi, o maior líder do Quilombo de Palmares, foi escolhida para marcar o Dia da Consciência Negra, comemorada desde 1971, e tornada oficial por lei sancionada pelo Presidente Lula em 2003. Ela nos remete a uma luta que extrapola até mesmo a condição da negritude, que é a luta por uma sociedade igualitária e democrática, por um projeto de nação onde a diversidade seja vista como mais uma de nossas riquezas e não como fator de exclusão.
A escolha desta data não foi à toa. Zumbi, descendente de guerreiros angolanos, foi capturado do quilombo ainda criança e entregue ao Padre Antônio Melo, que se interessou pela sua educação, transmitindo-lhe conhecimentos aos quais os outros negros não tinham acesso. Aos 15 anos, consciente da opressão a que seu povo estava submetido no Brasil, fugiu e voltou ao quilombo de Palmares, localizado na Serra da Barriga, na Capitania de Pernambuco, hoje pertencente ao Estado de Alagoas.
Liderou por muitos anos o quilombo, mas terminou sendo traído por um de seus principais comandantes. Depois de várias tentativas de tomada do maior reduto de resistência dos escravos, em 1694, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, com um batalhão de 9 mil homens, conseguiu destruí-lo. Zumbi foi morto a balas e facadas, teve sua cabeça decepada e levada ao Recife, onde foi enfiada num poste, salgada e exposta até a sua completa degeneração.
A abolição da escravatura no Brasil se deu em função da luta desses negros rebelados, que, a partir de certo momento, passaram a contar com o apoio de mestiços, setores da classe média, intelectuais e políticos que possuíam uma visão mais avançada. Mas não foi só isso. Deve-se considerar a necessidade de modernização econômica do País, defendida pelos senhores de café de São Paulo que dominaram o Brasil durante toda a República Velha. Eles desejavam facilitar o trabalho assalariado e a entrada de imigrantes no País, com o objetivo de obter avanço tecnológica para assegurar às suas fazendas capacidade para se organizarem como unidades exportadoras competitivas.
A assinatura da Lei Áurea foi um ato dos brancos. Não houve preocupação em criar formas de integração dos negros à sociedade. Quando veio a abolição, os setores econômicos mais dinâmicos já não utilizavam tanta mão-de-obra escrava. Por outro lado, novas técnicas usadas pelos fazendeiros reduziram a necessidade de mão-de-obra, e os negros libertados não podiam concorrer com os imigrantes que possuíam maior qualificação. Dessa maneira, a forma como se deu a libertação oficial dos escravos terminou contribuindo para a marginalização e para reforçar a idéia da inferioridade racial.
Os negros libertados eram os excluídos deste País, onde não tinham lugar no mercado de trabalho. Assim chegaram ao século XXI. O pior é que, durante todo esse tempo, conviveram com a tese de que no Brasil não existia preconceito racial. Recentemente, o mito começou a ser derrubado e setores da população brasileira começaram a admitir que a apregoada democracia étnica não passava de uma simples tolerância.
A falta de igualdade de oportunidades para brancos, negros e mestiços levou a disparidades absurdas. De acordo com o IBGE, o nível de escolaridade da maioria dos negros é muito mais baixa que a dos brancos e os seus rendimentos médios equivalem à metade do que ganham os brancos. O nosso passado colonial responde por isso. Porém, a consciência presente exige mudanças de atitude.
Precisamos entender que a Lei Áurea acabou com a escravidão formal, mas não pôs fim à marginalização. O Dia da Consciência Negra nos obriga a repensar os conceitos de democracia e cidadania. Democracia não se resume ao direito de expressão e opinião. Implica em igualdade de oportunidades no que se refere a vários direitos conquistados na Constituição e nem sempre postos em prática. Essa data exige que o Brasil se olhe no espelho e se reconheça com todas as suas diversidades, percebendo que é essa colcha de retalhos que faz a sua riqueza cultural.
Era o que tinha a dizer.

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